quinta-feira, 20 de agosto de 2009

L' heure d'été ou Horas de Verão


Momentos delicados contados com uma transparência muito próxima da experiência propriamente humana. Nada de exageros sentimentalóides, nada de requintes hollywodianos.

O ponto de convergência da trama é a morte da matriarca Helena, daí três irmãos com rotinas, vidas e objetivos diferentes têm que se encontrar para decidir o que fazer com a casa que a mãe deixou. Só que o que está na trama é muito mais que uma simples partilha de bens, é o encontro entre gerações e o selamento de uma de outrora, que agora se torna memória.

A compreensão de que a mudança de costumes é inevitável não nos é apresentada com pesar, mas com naturalidade, permitindo o duelo de juizos, desejos e concepções díspares. As decisões são tomadas sem ressentimentos e têm como ponto de equilíbrio o concenso. Por isso, nada que está do lado de dentro se perde.

A fotografia traduz muita beleza.
L' heure d'été é uma fita agradabilíssima,com certeza já está na minha lista de favoritos-simples.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Se me pergutares.

Se me perguntares se sou forte, direi que exercito a resistência. Há muito tempo aprendi, não sei como, que quando quero ser ou estar forte começo por fora, superestimando a firmeza que transpareço. Daí, aos poucos, vou tornando o aparente integrante.
Se me perguntares se tenho medos, direi que sim, como qualquer ser humano desta terra. O sentimnto de medo me movimenta, pois me impele o que mais me incomoda: PREOCUPAÇÃO. Por outro lado, ele me lembra diariamente o que não quero ser, exercendo um papel regulador. Muitas vezes o medo é consciência.
Se me pergutares o que mais me incomoda neste mundo, direi que é a burrice e a insensibilidade.
Se me perguntares o que mais me encanta, direi que é o amor. Seja aquele recôndito, o maternal - que nutro guardando para filhos que terei-, o platônico, o que queima por dentro, o que faz virar do avesso tudo de si, o repleto de nobreza, totalmente gratuito.
O que me move neste momento é ele, mais!, a tristeza que me dá quando volto pra casa e não estou mais na companhia dela.
O jeito é esperar e aproveitar para exercitar a paciência.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Palavras que me embolam e me embalam.

Tenho estado sem inspiração para escrever. Tentei, tentei e teneti, mas não sai coisa inteligível. Sei que tenho muita coisa pra viver, muitos livros pra ler, muitas palavras a professar e, muitas, muitas exporiências para escrever. Hoje, pouco, mas significativamente, sei o quão valoroso é e pode ser o ofício da palavra, seja ela escrita ou falada.
Mudando um pouco de assunto. Já lhes demonstrei prova suficiente da minha admiração pelo escritor-poeta do absurdo José Saramago- leia-se poeta do absurdo, pois o mundo e a humanidade contemporâneos que tanto o inspira é uma sucessão de absurdos, com raros toques de beleza e de bons modos . Volta e meia trago aqui um texto ou um trecho dele, pra mim lê o que ele escreve é uma cartilha, um incômodo, uma alternativa.
Deve ser a minha "devoção" a ele que me tem fugido as palavras, porque sempre, sempre, ele escreve sobre o que me move. Agora a pouco, ele nos presenteou com mais um incomodo. Mas é um incomodo que tem emputado em si idéias que podem nos fazer refletir e, quem sabe, nos mexer, nem que seja alguns centímetros.

Mais uma vez, sejam bem vindo ao incomodo.

" ÁfricaAgosto 11, 2009 por José Saramago

Em África, disse alguém, os mortos são negros e as armas são brancas. Seria difícil encontrar uma síntese mais perfeita da sucessão de desastres que foi e continua a ser, desde há séculos, a existência no continente africano. O lugar do mundo onde se crê que a humanidade nasceu não era certamente o paraíso terrestre quando os primeiros “descobridores” europeus ali desembarcaram (ao contrário do que diz o mito bíblico. Adão não foi expulso do éden, simplesmente nunca nele entrou), mas, com a chegada do homem branco abriram-se de par em par, para os negros, as portas do inferno. Essas portas continuam implacavelmente abertas, gerações e gerações de africanos têm sido lançados à fogueira perante a mal disfarçada indiferença ou a impudente cumplicidade da opinião pública mundial. Um milhão de negros mortos pela guerra, pela fome ou por doenças que poderiam ter sido curadas, pesará sempre na balança de qualquer país dominador e ocupará menos espaço nos noticiários que as quinze vítimas de um serial killer. Sabemos que o horror, em todas as suas manifestações, as mais cruéis, as mais atrozes e infames, varre e assombra todos os dias, como uma maldição, o nosso desgraçado planeta, mas África parece ter-se tornado no seu espaço preferido, no seu laboratório experimental, o lugar onde o horror mais à vontade se sente para cometer ofensas que julgaríamos inconcebíveis, como se as populações africanas tivessem sido assinaladas ao nascer com um destino de cobaias, sobre as quais, por definição, todas as violências seriam permitidas, todas as torturas justificadas, todos os crimes absolvidos. Contra o que ingenuamente muitos se obstinam em crer não haverá um tribunal de Deus ou da História para julgar as atrocidades cometidas por homens sobre outros homens. O futuro, sempre tão disponível para decretar essa modalidade de amnistia geral que é o esquecimento disfarçado de perdão, também é hábil em homologar, tácita ou explicitamente, quando tal convenha aos novos arranjos económicos, militares ou políticos, a impunidade por toda a vida aos autores directos e indirectos das mais monstruosas acções contra a carne e o espírito. É um erro entregar ao futuro o encargo de julgar os responsáveis pelo sofrimento das vítimas de agora, porque esse futuro não deixará de fazer também as suas vítimas e igualmente não resistirá à tentação de pospor para um outro futuro ainda mais longínquo o mirífico momento da justiça universal em que muitos de nós fingimos acreditar como a maneira mais fácil, e também a mais hipócrita, de eludir responsabilidades que só a nós nos cabem, a este presente que somos. Pode-se compreender que alguém se desculpe alegando: “Não sabia”, mas é inaceitável que digamos: “Prefiro não saber”. O funcionamento do mundo deixou de ser o completo mistério que foi, as alavancas do mal encontram-se à vista de todos, para as mãos que as manejam já não há luvas bastantes que lhes escondam as manchas de sangue. Deveria portanto ser fácil a qualquer um escolher entre o lado da verdade e o lado da mentira, entre o respeito humano e o desprezo pelo outro, entre os que são pela vida e os que estão contra ela. Infelizmente as coisas nem sempre se passam assim. O egoísmo pessoal, o comodismo, a falta de generosidade, as pequenas cobardias do quotidiano, tudo isto contribui para essa perniciosa forma de cegueira mental que consiste em estar no mundo e não ver o mundo, ou só ver dele o que, em cada momento, for susceptível de servir os nossos interesses. Em tais casos não podemos desejar senão que a consciência nos venha sacudir urgentemente por um braço e nos pergunte à queima-roupa: “Aonde vais? Que fazes? Quem julgas tu que és?”. Uma insurreição das consciências livres é o que necessitaríamos. Será ainda possível?"