sexta-feira, 8 de junho de 2012

Greve na Universidade Federal da Bahia

Aos estudantes de Medicina:

Na última quarta-feira na Assembléia Geral dos Estudantes, no campus de Arquitetura foi decidido entre os estudantes de todos os cursos pela Greve Geral Estudantil, e antes que imediatamente nos manifestemos contra ou a favor dessa decisão, como estudantes de uma Universidade Pública devemos fazer algumas reflexões:
1º A ocupação de uma Universidade Pública, que nos últimos 10 anos vem sofrendo uma transformação significativa no que diz respeito aos grupos sociais e étnicos, traz a tona uma questão fundamental que é um conjunto de novas necessidades para os novos “povos” e, como consequência, as novas exigências que a direção estará submetida. É preciso ser lembrado que nós estudantes vivenciamos para além dos números estatísticos que os governos pautam e se vangloriam nas campanhas eleitorais. Dessa maneira, sendo eu ou você necessitado ou não de residência universitária, de transporte, de auxílio alimentação ou moradia, de livros e melhor estrutura para termos um bom desempenho, enquanto estudantes de uma Universidade Pública, estamos sim envolvidos e a mercê dessas questões.
2º Todos, ou uma grande maioria, querem formar. E vou além, deveria ser fácil fazer o raciocínio lógico e simples de que os mais vulneráveis querem e precisam formar logo. Os motivos são inúmeros, assumir um papel necessário no sustento de suas famílias, tornar-se mantenedores da formação de outros irmãos que são muitas vezes sacrificados pelo alto custo que é ser universitário, ou simplesmente para tornar-se independente. Mais do que se formar, é preciso que haja qualidade nessa formação. Sabemos que há muitas deficiências no nosso curso e o modo como elas estão impressas saímos que nem loucos, mesmo com a carga horária que temos, em busca de cursos, capacitações, iniciações científicas, enfim é uma miríade de atividades. Por essa realidade, é preciso que reflitamos que todos têm muitas necessidades, mas nem todos podem buscá-las e execê-las de maneira igualitária. Por isso me parece incoerente, quando não pernicioso, o argumento único da urgência da formação, como se esta fosse o interesse de uma minoria “cautelosa”.
3º É fato que teoricamente o ato de se instituir uma greve deve ser último, quando não há mais qualquer possibilidade de diálogo. Mas será que estamos dispostos em nossa rotina a dialogar e exercer o nosso poder de coletivo para melhorar situações da esfera eminentemente privada da Faculdade de Medicina. Bom, não é isso o que eu vi até agora, e posso exemplificar. Em momentos em que somos dispensados do instrumento sacrossanto da formação acadêmica, a aula!, para participarmos de uma avaliação do nosso curso, para dialogar com professores e gestores, como foi no seminário ocorrido a pouco mais de um mês no Terreiro, damos para trás e optamos pelas prioridaridades cotidianas. Resultado: o público mais afetado com as condições estruturais e os abusos da esfera docente e administrativa se eximiu de sua voz. É por isso que mais uma vez peço que reflitamos sobre o que nos importante. Óbvio!, a resposta é: a nossa formação. Mas será que não estamos optando de maneira mesquinha e individualista por ela. Sem ao menos concebermos que é no espaço público que podemos exercer interesses que são coletivos, e mais!, que eles têm mais força quando são coletivos!
4º Quanto ao papel do Diretório Central dos Estudantes (DCE) nesta conjuntura de greve estudantil é inevitável que não haja interferência de interesses partidários por uma questão óbvia de que muitos integrantes são partidários. Estamos num regime democrático e por isso qualquer estudante desta Faculdade ou Universidade, mesmo sendo partidário, tem o direito de ser ouvido e influenciar nas decisões coletivas. Mas será que isso deslegitima as pautas da greve? Será que não podemos interferir diretamente na relevância que os partidários e os seus partidos exercem nos movimentos que são sobretudo do estudante da UFBA? Será que não podemos contribuir e construir juntos um movimento apartidário, porque simplesmente as pautas determinadas contemplam, de maneira estratégica segundo a atual conjuntura, todos os estudantes da nossa Faculdade e Universidade? Seja aqueles que realmente precisam de um restaurante universitário, de um espaço confortável com material para estudar ou de uma moradia; seja aqueles que não precisam porque podem se auto-beneficiar, mas que também se solidarizam de verdade com as urgências dos seus colegas, e que, além disso, acham que é um dever ter a formação de qualidade que lhe é prometida no processo seletivo e no próprio regimento da UFBA. Por isso talvez seja o momento de se impressionar menos com as fragilidades, que são inerentes a qualquer movimento de dissidência, e pensarmos em como podemos de fato contribuir e sermos representados numa greve ou numa mobilização presencial e coletiva.
Talvez em vista dos pontos colocados, e existem muitos outros, seja momento de pensarmos: Por que há uma semana “essas pautas não existiam” (elas não existiam mesmo? ou a urgência conjuntural colocaram-nas no cerne?); Por que muitos dos movimentos engendrados para reivindicar por soluções de problemas da nossa esfera privada foram até o momento incipientes?; Será que é mais válido permanecermos divididos ou irmos além da dissidência de classes por um objetivo comum que é a nossa formação? A atual conjuntura por mais complexa que seja em decorrência do espectro variado de interesses (formatura, viagens a trabalho ou a diversão, urgências de sobrevivência e de cunho material, etc) deve suscitar em nós uma reflexão sobretudo estratégica acerca de quais direitos nos são diariamente negados e de como podemos verdeiramente atuar como coletivo na sua reivindicação.

Estefane Evelin Gaspar,
Acadêmica do 5º semestre, Medicina, FAMEB-UFBA.

Um comentário:

Jel disse...

Muito bem escrito, flôga.

Faltou só falar daquela questão dos pontos de pauta.

Beijo. Amo.