
A quantidade de crianças que esperam a adoção saltam aos olhos. Essa realidade denuncia os altos índices de gravidez na adolescência, a falta de planejamento familiar e a dificuldade de sustentar um indivíduo provendo-o de educação qualificada, permitindo-o acesso a cultura, a arte e de oferecer-lhe sobretudo amor. Não que amor dependa de dinheiro, mas quem ama com fome? Quem cuida com fome? Quem constrói com fome?
As crianças continuam esperando alguém que as amem, que as acolham, são os sonhados pais. Em contrapartida, não vejo muita gente querendo adotar, afinal, há tantos preconceitos a superar: "Não sei de onde saiu, como vou tê-lo como filho?", "E se tornar-se um marginal?" , "Ele não tem o meu sangue, por isso não posso confiar!".
É fato que o Estado e a iniciativa filantrópica por meio das casas de apoio e os orfanatos não fazem nem cócegas no problema do abandono infantil, este que é mais um efeito das deformidades estruturais de uma lógica social em que o indíviduo se responsabiliza menos com o seu semelhante e a desigualdade entre os últimos impera.
Para os que desejam adotar, eis um processo demorado, dificultoso e cansativo, papéis e um tremendo protocolo, afinal, o risco de tráfico infantil, de prostituição, de submissão ao trabalho forçado e da não adoção afetiva da criança no lar familiar são temidos. São inúmeras as exigências, agora tem uma que na contemporaneidade tem suscitado muita celeuma, principalmente aqui no Brasil e em outros países considerados religiosamente conservadores: A adoção deve ser restrita a casais heterosexuais?
Aí tem muito pano pra manga. O direito parece se embasar somente em si, a máxima de que o direito é positivo e se basta a si mesmo o distancia do entendimento básico de que ele deve refletir as experiências sociais, a fim de que nelas seja mantido o bem estar coletivo e individual. Já o argumento de que o homem nasceu para a mulher e, com isso, a formação moral e social salutares de um individuo só é possível por um casal heterossexual me confunde, quando o que vejo é um novo cenário onde os valores patriarcais e machistas declinam, dando lugar a uma nova postura da mulher no locus familiar, social e econômico e possibilitando novas concepções de arranjos familiares. Para terminar, endossando o argumento dos contrários à adoção por casais gays, têm os religiosos ortodoxos que se baseiam no príncipio dogmático cristão de que a homossexualidade é uma aberração humana.
O que me derrama em reflexões é o fato, deveras esquecido, de que é um dever fundamental entre os símios pensantes se responsabilizar pela outro. Digo, ver o seu semelhante como a si mesmo, e suas limitações naturais como suas também. Isso é bíblico!
O que concluo é que muito antes de nos embebedarmos nos sentimentos individuais e muitas vezes mesquinhos, de nos embasarmos em códigos jurídicos que não abarcam as descontinuidades inerentes a vivência humana e de nos concentramos na nossa salvação, que, biblicamente, traz emputada em si a responsabilidade pessoal e também dependente de como procedemos em comunidade, devemos colocar diante de nós o simples fato de que o mamífero homem depende crucialmente nos seus primeiros anos de vida do suporte físico, material e afetivo de outro já formado.
A homossexualidade não é de agora, a modernidade, toda essa efusão de novas tendências e o irremediável conflito com antigos valores só ofereceu espaço para que os gays conquistassem mais visibilidade, seja social, seja política ou econômica. Os casais gays estão"saindo do armário" e como qualquer casal heterossexual buscam por meio da adoção efetivar o desejo de formar um núcleo familiar, característica basilar dos mamíferos.
O que vejo é que contrariar o desejo de muitos casais gays que afetivamente consideram-se felizes e que socialmente e moralmente não se vêem como incoerentes é admitir a incapacidade de lhe dar com o diferente, atestando a inflexibilidade típica dos valores machistas e unidirecinais, outrora em voga.
Os religiosos apocalípticos temem o fim dos tempos por constatarem tantas disformidades tendo como base os muitos dogmas cristãos, mas apocalíptico mesmo é deixar tantas crianças esperando, frustrando-se com as poucas possibilidades de adoção, sucumbindo no abandono e no ineficiente acolhimento do Estado, enquanto muitos casais dispostos a aprenderem e a serem pais, amigos e mantenedores batalham pela adoção.